Vitrine

Diante da vitrine ela cristaliza. Estática, vê a beleza estonteante exposta ali, diante dos seus olhos, que se arregalam, ao mesmo tempo em que ganham um brilho ansioso, misto de tentação e admiração aniquilantes. Ela não pode, não deve, porém uma atração irresistível a toma por completo. O corpo arrepia, as pernas amolecem, a boca seca. A respiração ofegante avisa do perigo iminente. Já tivera a sensação antes; por vezes, pode resistir, outras – muitas outras – não. E, ao sucumbir, quase sempre levou para casa algo de que se arrependeria mais tarde. No momento em que seus olhos se deparam com uma novidade daquelas, exemplar exclusivo que ninguém teria igual, é praticamente impossível dar as costas e retomar o rumo, firmemente, com a plena consciência de que “não preciso disso para viver”. Porém, precisar ou não precisar não importa, não se trata simplesmente de virar as costas. É forte, é um furor, quase um empurrão pra dentro da loja. Afinal, como ir embora e deixar aquilo tudo pra trás? Tão especial que mistura charme, elegância, um movimento excêntrico, capaz de provocar olhares surpresos e cobiçosos. Lindo seria pouco para descrever seu objeto de desejo. Um belíssimo modelo. E ela pensa, num afã, “que louca não quereria um desse em casa”? Ela não pode, não deve. Poderia argumentar dezenas de motivos para não entrar, poderia listar em segundos quanto lhe custaria ceder a um impulso tão excêntrico, poderia somente dizer para si: “Não!”. A atração é maior que a resistência, e o suor frio nas mãos geladas lhe dão o sinal que esperava. É hora de decidir. E entra. Analisa-o por todos os lados, confirma que não fora enganada pelo brilho da vitrine. É lindo, excepcional, parece que a encara e diz “fui feito pra você”. O preço, óbvio que é caro. Olha mais uma vez. Volta a cabeça, finge procurar algo que não há por perto. Precisa ganhar tempo. Pensar. Pensar o quê, se sabe que vai se entregar ao descontrole? “Vai valer a pena. Muito! Vou levar!” Nesse momento um calafrio lhe ganha o corpo, quase não consegue puxar o ar. Vai até a porta, ainda está em tempo, pode sair correndo, o rosto está em brasa. Volta e o encara novamente. Não sabe mais viver sem. Passa o cartão, guarda a carteira, prepara os braços. Em instantes está livre de toda a culpa que a consumira nos minutos passados, fica feliz, excitada, exultante com sua aquisição. “Vai se chamar Caetano”. E sai da loja mais que satisfeita, arrastando pelo braço o alto, forte, moreno e musculoso manequim vivo.